Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Enquanto um até então pouco conhecido laboratório trabalhava com o vírus Covid-19 que viraria pandemia absorvendo as atenções mundiais, a mesma China dava início a algo que poderá ser ainda pior nos próximos anos.
Os historiadores poderão chama-lo de Segunda Guerra Fria, escreveu o historiador Niall Ferguson, acadêmico do Instituto Hoover da Universidade de Stanford e autor de 15 livros, no “The New York Times”.
Essa soltou suas primeiras psico-rajadas em 2019 segundo Ferguson. Ele recusa que a nova Guerra Fria tenha começado quando Moscou enviou suas tropas em 2014 Ucrânia numa guerra aberta mal dissimulada.
O verdadeiro início da nova Guerra Fria deu-se com as sistemáticas provocações chinesas contra os EUA nos últimos anos.
E nada pode ser comparado em animosidade, universalidade e perigosidade.
Os EUA ainda podem evitar a guerra “quente”. Mas Pequim não parece hesitar: se aparecer a oportunidade, obedecerá a instrução de Mao Tsé Tung: “Nós estamos dispostos a sacrificar 300 milhões de chineses pela vitória da revolução mundial” (Jung Chang e Jon Halliday, “Mao”, Gallimard, Paris, 2005, p. 478-479).
Acadêmicos pedantes acham que a nova Guerra Fria começou com a eleição de Trump em 2016 e a política de represálias econômicas que adotou, escreve Ferguson.
Mas só em 2019 a elite política de todos os partidos americanos caiu na conta de que não era uma bandeira de Trump. E que a confrontação com a China era inevitável.
Até a senadora Elizabeth Warren, candidata presidencial democrata, começou a pedir mais severidade contra a China vermelha.
Submarinos chineses |
O confronto que começou como guerra comercial se generalizou rapidamente e criou um acúmulo de conflitos.
Guerra tecnológica planetária com a empresa Huawei, extensão do Exército Vermelho, pelo domínio da rede de comunicação 5G; choque ideológico pelos abusos contra os direitos humanos de minorias étnicas e religiosas no Sinkiang; tensões pelo tipo de cambio da divisa chinesa, manipulado inescrupulosamente pelo Banco Popular de China. A lista de frentes de combate não acaba aí.
Faz parte dessa guerra o dinheiro chinês aplicado em projetos de infraestrutura e nos bolsos de políticos, até os tidos como conservadores.
A nova Guerra Fria planetária de Xi Jinping não visa logo uma revolução mundial de Kalachnikov na mão como promoviam seus históricos camaradas soviéticos.
Em verdade, a lembrança da velha guerra fria evoca experiências próximas ao fim do mundo, lembra Ferguson, como a crise dos mísseis em Cuba, em 1962, e as múltiplas guerras convencionais como no Vietnã ou no El Salvador.
Porém, a China é tão inferior aos EUA em armamento nuclear que não pensa num enfrentamento material mas planeja e inicia batalhas em outros campos sobre tudo no ciberespaço e no espaço exterior.
Mais de 700 milhões de smartphones foram comercializados com Adds espiãs |
Na velha guerra fria, os americanos de todas as tendências acabaram discernindo o inimigo comum – os sovietes – que os atacava em muitos continentes com fachadas diversas. Então esfriaram as divisões internas e miraram em conjunto o comunismo russo, julga Ferguson.
Agora eles estão acordando diante de um novo inimigo externo que os ataca sem bombas e sem revoluções, mas com comércio, tecnologia, investimentos... visando algum dia escraviza-los!
Acresce que a percepção desse novo inimigo poderia desviar as atenções da polarização interna americana e concentrá-las contra o tipo de guerra que propõe o comunismo chinês.
Por isso, muitos em altas esferas de poder americano, assediados pelos riscos da polarização, prefeririam uma unificação interna em torno da luta contra o dragão oriental.
Então Biden não parece tão longe de Trump se impostando ante a evidencia da espionagem e da sabotagem cibernética chinesa na política, no ambiente acadêmico, no Silicon Valley. O novo presidente de signo oposto ao anterior criou novas frentes de combate para defender a segurança nacional.
Mas é preciso ficar atentos: há grande risco em supor que os EUA vão ganhar fácil a Segunda Guerra Fria.
Em 1969, tampouco era certa a vitória contra a URSS sem um espantoso derramamento de sangue num panorama devastador de explosões nucleares. Acabou dando certo, mas o risco foi apocalíptico.
Condenados vão a campos de trabalhos forçados como a minoria étnica de uigures |
Também na esfera militar, a NATO foi criada para enfrentar o Pacto de Varsóvia e suas dezenas de milhares de tanques e milhões de soldados. Contra a China não foi feito nada de comparável.
E, se bem a China moderna nasceu e cresceu não como produto do comunismo de Mao, mas é criação de capitais ocidentais, o sonho fanático do comunismo universal não mudou no coração das fileiras do Partido Comunista Chinês.
“O objetivo de Mao era que a China se tornasse uma superpotência para que quando ele falasse o mundo inteiro ouvisse (...) ele cuidava bem de não esclarecer a natureza militar desse plano, a qual ainda é muito pouco conhecida na China” (Jung Chang e Jon Halliday, op.cit. pág. 414)
Enquanto os EUA e seus aliados econômicos ficassem fornecendo ingenuamente os capitais e a tecnologia que os dirigentes maoistas queriam, nada iria acontecer e as relações Oriente-Ocidente viveriam uma grande distensão.
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Então, Pequim poderá querer que essa Guerra passe de Fria para Quente, antes de que os EUA abram os olhos, como abriram em Pearl Harbor.
A Fria está em andamento e a Quente não começou. Se a história ensina algo, é que as situações falsas e precárias acabam mal.
Quando essa espada de Dâmocles cairá como adaga assassina sobre o planeta? É aventurado adiantar datas, mas se cair, podemos temer que venhamos a sabê-lo tarde demais.
É hora de acordarmos antes que aconteça.
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