Produtos de inteligência artificial exibidos em Pequim |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Os mais de 1,4 bilhão de chineses são constantemente espionados pelas onipresentes câmeras da polícia nas esquinas, metrôs, saguões de hotéis e entradas de prédios de apartamentos.
Seus celulares são rastreados, suas compras monitoradas e suas conversas nas redes são censuradas.
Mas, se isso parece demais, eis que agora até seu futuro foi posto sob vigilância, segundo recolhe reportagem do “The New York Times”.
Centrais informáticas hiper-repressivas aprofundam nos vastos registros de dados deixados pelos cidadãos em suas atividades cotidianas.
Elas procuram padrões e desvios da conduta socialista, e prometem prever crimes e protestos antes que eles ocorram, incluída qualquer forma de desacordo com o Partido Comunista.
Porque os alvos não são tanto os encrenqueiros ou criminosos, mas aqueles que deixaram rastros de desacordo com o Big Brother marxista em sua rede social ou em seu smartphone. Também as minorias étnicas, trabalhadores migrantes e acusados de doença mental.
O sistema avisa a polícia se alguém pretende viajar a Pequim para reivindicar uma restituição do governo.
Câmaras instaladas diante de casa de 'suspeito segundo o software' em Mudanjiang, Heilongjiang |
Até pouco tempo atrás, quando viajava a Pequim Zhang fugia das estradas principais para evitar a polícia. Agora tem que desligar o telefone, pagar em dinheiro e comprar várias passagens com diferentes destinos falsos.
As novas tecnologias da China socialista, ampliam o controle político e social dos indivíduos e afundam os tentáculos de Pequim na carne viva das pessoas.
Para o governo, qualquer ameaça deve ser eliminada. Xi Jinping endureceu e centralizou a segurança estatal com políticas tecno-autoritárias para esmagar a agitação étnica de Xinjiang e prender o povo numa das quarentenas mais implacáveis do mundo.
Muitos desses métodos foram compartilhados pela ChinaFile, uma revista online publicada pela Asia Society.
O Ministério da Segurança Pública não responde aos pedidos de comentários, enviados à sua sede em Pequim e seis filiais em todo o país.
Os softwares de patrulha de dados agem nos EUA e na Europa, e incorporaram o racismo para decidir quais bairros devem ser mais patrulhados ou qual prisioneiro pode receber liberdade condicional e qual não, com total opacidade e impunidade.
Na maioria das vezes as pessoas não sabem que estão sendo observadas. A polícia chinesa não precisa de ordem judicial para coletar informações pessoais.
Esses sistemas podem prever o evento antes de acontecer. Mas ainda que errem, são considerados bem-sucedidos, porque a própria vigilância inibe a agitação social e o crime, como o governo as entende.
“Está colocando a sociedade em uma gaiola invisível de tecnologia”, diz Maya Wang, pesquisadora chinesa da Human Rights Watch. “Os que sentirão mais o golpe serão os que já foram previamente discriminados”.
O empresário Yin Qi, fundador da startup de inteligência artificial Megvii, imaginou um sistema de computador que prevê crimes para a polícia.
Yin garantiu que, com esse sistema de vigilância, “os bandidos não terão onde se esconder”.
Policiais procuram indivíduos que segundo o software teriam preconceitos apontados por seus rasgos faciais, em Xichang, província de Sichuan |
O software faz “pesquisa inteligente” que define assim: “construa um banco de dados multidimensional que armazene rostos, fotos, carros, casos e registros de incidentes para detectar pessoas comuns que parecem inocentes e, assim, interromper atos ilegais desde o início”.
Em 2022, a polícia de Tianjin comprou um software criado por Hikvision, que visa prever protestos coletando dados de milhares de pessoas que tentam apresentar queixas contra autoridades locais.
O sistema classifica os candidatos com base na probabilidade de viajar para Pequim porque as autoridades locais tentam evitar a todo custo que viagem para evitar constrangimentos políticos ou a exposição de irregularidades em sua administração. E o governo central não quer que cidadãos descontentes se reúnam na capital.
A polícia de Zhouning, um município rural da província de Fujian, comprou 439 câmeras em 2018, e instalou nove em frente à casa de pessoas qualificadas de doentes mentais. Na realidade descontentes com o governo.
Em mais de 100 documentos de compras revisados pelo The Times, a vigilância aparece focada na lista negra das “pessoas-chave”: desde doentes e criminosos até descontentes, agitadores políticos e ameaçadores da estabilidade social, critério por demais elástico sob a ditadura socialista.
Outros sistemas visavam trabalhadores migrantes, adolescentes que não estudam nem trabalham, estrangeiros e pessoas com HIV.
O software permite “armadilhas digitais” montadas contra uma “ameaça potencial” em que a polícia cria alertas antecipados com base em seus próprios critérios.
A polícia pode criar alarmes contra pessoas na lista negra, vendo se se movem, com quem se encontram, a frequência dos eventos. A polícia pode acionar um alerta toda vez que duas pessoas com histórico de protesto entrarem no mesmo parque.
Evitar essas armadilhas digitais requer enormes manobras evasivas.
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