Soldados devem executar tarefas incompatíveis para agradar os chefes |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
O testemunho do jovem recruta Roh Chol Min destinado à zona desmilitarizada na fronteira com a Coreia do Sul descortinou uma realidade silenciada pela nossa grande mídia: a generalizada corrupção no exército da Coreia do Norte.
“The Wall Street Journal” publicou uma alentada reportagem a esse soldado de elite que fugiu nauseado pelas suas experiências nos quarteis comunistas.
As exibições militares da Coreia do Norte, considerado a ditadura mais dura, implacável e impenetrável do mundo, são calculadas para passar a imagem oposta: a de um povo disposto a qualquer delírio em aras de uma família de inumanos ditadores marxistas.
Porém o grau de robotização das massas de homens e mulheres uniformizados nas passeatas inclui forte teatralidade visando a propaganda.
O soldado Roh se mostrou apto para a tropa de elite, mas ficou chocado vendo colegas subornar os oficiais para se ausentar dos treinos e tarefas militares.
Então fugiu do país. Foi mais um, dos por volta de 33.000 norte-coreanos que escaparam do inferno comunista.
Segundo o “The Wall Street Journal” , o fluxo de deserções aumentou motivado pelas privações no exército, que paradoxalmente é mimado pelo ditador.
Como robôs, mas mal vestidos, sem comida e muita corrupção da oficialidade |
“Aí não há lei”, disse Roh. “Com dinheiro, você faz o que quiser”.
O ditador Kim Jong-un precisa absolutamente de uma máquina militar que dê a impressão de um controle feroz e absoluto sobre a população.
Na cúpula do PT norte-coreano (Partido do Trabalho), Kim Jong-un foi ovacionado quando revelou que exibiria logo “uma nova arma estratégica”.
Mas advertiu que o povo esfomeado terá que apertar ainda mais o cinto para viver com as sanções que virão de Ocidente.
Pouco importa que os foguetes norte-coreanos testados caiam em qualquer ponto do mar ou até em alguma aldeia. Ou que os mísseis exibidos nas paradas levantem a suspeita de montagem plástica.
Aliás, Pyongyang não reconhece ter nem um contágio de Covid-19 num país que tem uma transitada – sobre tudo por fugitivos – fronteira com a China.
Com a economia arruinada e sem alimento suficiente, a Coreia do Norte mantém um dos maiores exércitos permanentes do mundo.
Roh Chol Min aprendeu o que é ter um emprego, comer bem e fazer amigos só depois de fugir da Coreia do Norte |
Os EUA por exemplo só gastam 3% do PIB nas suas forças armadas.
Muito pouco desse dinheiro chega às unidades nos pontos críticos. Roh achava que como atirador de elite na conflitiva ‘zona desmilitarizada’ teria comida boa e abundante, líderes bem organizados e um sólido treino.
Mas achou soldados morrendo por má manipulação das armas e superiores roubado a comida.
Roh ficou pesando 45 quilos em poucos meses, se alimentando de fungos silvestres com cuidado de não comer os venenosos que mataram vários colegas.
O comandante lhe ofereceu uma promoção em troca de um volume de dinheiro que Roh não podia pagar.
Havia sessões diárias de doutrinamento na lealdade cega ao líder marxista.
Quando num “glorioso” dia Kim Jong-un visitou a base numa impressionante limusine negra, a emoção do debilitado Roh lhe causou um nó na garganta e uma catarata de lágrimas.
As imagens televisionadas de Kim faziam os soldados pularem de suas cadeiras e aplaudir ao uníssono.
O ditador Kim Jong-un teatraliza uma compacta e fanática fidelidade militar. Mas a realidade é muito diferente. |
As altas patentes vendem as provisões destinadas à tropa num mercado próximo.
Roh fazia de vigia 13 horas por dia com um uniforme que não o protegia do frio que em inverno atinge 40º abaixo de zero.
Os “filhinhos de papai” subornavam os comandantes com notas de dólares.
Com dólares também se podia conseguir comida extra, roupa mais quente, licença para telefonar à família uma vez por semana, comprar uma promoção imediata ou fugir dos treinos.
Alguns de seus companheiros podiam dormir mais, sair a comprar guloseimas, mas Roh nunca pode falar com a família e passava o dia no posto de guarda.
Nos dias prévios à fuga, os superiores o acusaram de roubar bolachas, o chefe do esquadrão o golpeou e foi submetido a sessões de humilhação pública, contou ao “The Wall Street Journal”.
Roh agora vive em Seul e se sente protegido do Covid, lembrando que do outro lado da fronteira em caso de contágio “nos deixariam morrer porque nos consideravam descartáveis”.
Mas sofre porque não sabe do destino de sua família e porque Kim se assanha contra os parentes dos ‘desertores’.
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