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Até na China se perguntam se o país beira o colapso |
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Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs
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Um artigo do respeitado economista Zhao Jian foi apagado pelos censores algumas horas após ser publicado.
O conteúdo parecia anódino, mas, para um funcionário do Partido Comunista estava cheio de ideias perigosas.
Zhao comentou que o governo não estimulava a economia em crise e a incerteza “envolve os corações das pessoas”, segundo
“O Estado de S.Paulo”.
Um exército de censores da internet expurga rotineiramente as postagens que não afinam com o ditador Xi Jinping e abafa os debates sobre a economia.
Acadêmicos e especialistas são silenciados, dados que deveriam estar disponíveis desaparecem do acesso público, a já limitada liberdade de opinião é ainda mais cerceada e os investidores não sabem o que fazer.
Nesse contexto, a censura do artigo de Zhao provou que ele tinha razão, comentou “The Economist”.
Os dados oficiais na China sempre foram falseados. Economistas há muito reclamam que o Escritório Nacional de Estatística (NBS) usa metodologias enigmáticas.
Os dados mais recentes sobre a balança de capitais da China foram tão contraditórios que o Tesouro dos EUA pediu a Pequim esclarecer os números. E a resposta socialista só confundiu ainda mais as coisas.
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Obras paradas sinalizam crise das inchadas construtoras |
As bolsas de valores da China não publicam mais os vitais dados diários de fluxos de capital, que agora só aparecem trimestralmente.
E ainda assim não batem com a experiência de empresas e investidores locais.
Os números do PIB são risíveis, diz Logan Wright, do Rhodium Group, empresa de consultoria, “pararam de ter qualquer semelhança com a realidade econômica”, disse.
A constante distorção oficial obscurece as notícias que envergonham o governo.
Um professor da Universidade de Pequim apontou que 16 milhões de jovens sem emprego foram suprimidos nas estatísticas de desemprego porque se fossem computados a taxa de subemprego dos jovens superaria o 46%, número intolerável para Xi.
O governo diz que ninguém mais vive na pobreza absoluta na China, mas ninguém ousa dizer o que pensa, e que é bem diverso do dogma oficial.
De 20 a 30 milhões de lares são vítimas da crise imobiliária porque pagaram por apartamentos que nunca foram concluídos, e poucos economistas tem coragem de investigar a sorte desses milhões de enganados.
Jornalistas e comentaristas que abordaram tópicos sensíveis foram presos. Até hoje se oculta o verdadeiro número de mortes por Covid-19 e o exército de repressores maoístas tranca a discussão.
Os especialistas pró-governo mais ardorosos são silenciados se desentoam da instrução oficial.
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A mídia só pode difundir o que o ditador quer. Charge do The New York Times |
Hu Xijin, um jornalista nacionalista, elogiou as diretrizes do alto escalão do Partido Comunista, mas suas interpretações irritaram um hierarca e foram excluídas das redes sociais.
Os empresários estrangeiros reclamam que as autoridades socialistas só fornecem dados vagos e estereotipados.
Segundo Huang Yanzhong, da Seton Hall University, dos EUA, o contato com estrangeiros pode representar um risco para a população local.
Os jornalistas estrangeiros que retornaram à China após a pandemia passaram a ser vigiados de perto.
Em Hefei, as grandes empresas foram instruídas a não falar com a imprensa. Alguns diplomatas receberam a mesma instrução.
Empresas como a Wind pararam de fornecer informações aos usuários fora da China e a Qichacha, empresa de inteligência corporativa que publica dados de falências, está inacessível no exterior.
Xangai, o centro financeiro da China, proibiu a transferência para o exterior de qualquer informação sobre preços ou tendências de mercado. Dados oficiais da produção industrial começaram a rarear ou desaparecer, diz Wright.
O acesso às universidades chinesas se tornou mais limitado, e até há universidades fechadas desde o Covid.
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Censura espiona todas as comunicações privadas |
Os estrangeiros precisam de permissão prévia para pisar nesses campi após a pandemia.
Xi impôs que as universidades passassem a fazer referência explícita à sua lealdade ao Partido Comunista, como parte da “educação socialista com características chinesas”.
A ausência de liberdade acadêmica se aproxima à Revolução Cultural, o período de fanatismo maoísta que eliminou os intelectuais, diz Sun Peidong da Universidade Cornell.
Professores talentosos tentam passar suas ideias críticas sob um invólucro politicamente correto, mas só conseguem inserir alguns grãos de areia crítica em longos e vácuos relatórios de gosto oficial. Devem omitir qualquer análise das políticas do governo central.
Outro resultado foi criar um sistema de espionagem dos professores, da mídia e dos think-tanks.
Jornalistas, pesquisadores e economistas devem escrever relatórios de “referência interna”, ou neican em chinês, do gosto do governo.
Acadêmicos e jornalistas vivem uma vida dupla, produzindo por baixo artigos explosivos sobre empresas poluidoras ou autoridades corruptas, e por cima elaboram relatórios para as autoridades socialistas cheios de bobagens bajuladoras.
Sob Xi, os think-tanks independentes fecharam e os submissos se multiplicaram.
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Ninguém pode falar a realidade |
“Think-tanks com características chinesas” criados pelo sistema triplicaram em número. Os relatórios “neican” lisonjeiam as autoridades apresentando a realidade com um viés otimista.
Os serviços de segurança comunista executam operações massivas de vigilância, rastreando pessoas, bens e opiniões expressas por cidadãos comuns.
Assim, ninguém fora dos antros de poder entende o que Xi quer e manda fazer.
De modo inevitável, a economia se deteriora, a burocracia é cada vez mais ideológica e comunista e a escassez de informações é asfixiante.
O gigante chinês afunda num abismo de escuridão planejada que conduz às piores catástrofes.
Mas, desta vez poderá arrastar a economia mundial.